Gustavo Jaccottet

A flor do deserto

Por Gustavo Jaccottet
Advogado
[email protected]

Mohammed Ali usava da guarda baixa. Não tive o privilégio de vê-lo lutar, porém vi os sete jogos de Marrocos, o qual não se deixou levar pela sua inferioridade técnica. Baixou a guarda e atacou França, Portugal e Croácia. Contra os eslavos foi o apagar das luzes de um dos grandes camisas 10 que vi jogar. Luka Modric. O terceiro lugar foi um belo prêmio de consolação e o nome de Marrocos agora está gravado nas estatísticas de todas as Copas do Mundo, nos seus já longevos 82 anos.

Já estive em Marrocos pelos livros de Saint-Exupéry. Tânger era-lhe mais familiar que Toulouse. Preferia Dacar a Paris. Por isso há vida em suas palavras ante a paixão por uma infância que desejaria ter tido, porém só ficamos sabendo depois de ler o Pequeno Príncipe.

Não é por Saint-Exupéry que senti que a alma voltou ao futebol, senão por Marrocos. Ele é só o liame para pôr isto ao papel. Quando a Nasa publicou as primeiras fotos de Júpiter, feitas pela sonda Voyager, nada havia de especial até vê-las em sequência. Júpiter estava vivo. Respirava e hipnotizava, estéril, mas fértil. Até o mais árido dos locais pode manter um rosal.

Os africanos fizeram com que as rosas vermelhas brotassem contra as leis da física. Desrespeitaram o Saara. Não foi fácil aos franceses batê-los e foi um belo embate ante a despedida de Modric. Sem erros ingênuos, a história poderia ser outra... Poderia... Faltou elenco, físico, porém não se reduz a vitória croata e tampouco apaga-se o brilho da conquista marroquina de ter chegado até o sétimo jogo de uma Copa do Mundo, privilégio apenas dado às quatro semifinalistas.

Hakimi ficou em pé por toda a Copa, Bounou lesionou-se (ou sentiu-se mal) durante o hino nacional, mas não foi suficiente para abatê-los. O técnico se disse decepcionado. Quem não ficaria no lugar dele? Quando se chega tão longe, por que não sonhar em levar a Taça Fifa? O leitor não faria o mesmo?

Contra os franceses foram ao campo já cientes de que sua única chance era atacar, fazê-los sangrar. E se optassem pela retranca? Tanto faz. Antes do hino nacional a história já estava escrita. Jogar à moda italiana e prostrar-se com dez jogadores de linha dentro da área seria tão inolvidável? Covardia jamais! Campeões não jogam assim. A vitória poderia sair de um contra-ataque ou até nos pênaltis. Digam-me o propósito básico do futebol e não haverá outra resposta senão jogar bola, atacar. Campeões sem taça.

O terceiro lugar preferiu o craque. Por outra vez um gol logo no começo, porém o jogo era outro e o empate veio logo depois. A paixão da bola por Luka Modric foi um diferencial. Privilegiou com quem viveria toda uma vida. O quarto lugar para Marrocos foi belo. Perdeu o futebol? Ao contrário. Há a hora em que a carruagem viraria abóbora. Era previsível? Sim, entretanto o desfecho poderia ser diferente. De novo caio no "e se?". Todo o roteiro poderia ser redesenhado para que no domingo vestisse a amarelinha e não a albiceleste. A bola quis entregar a Messi uma última dança e como este artigo foi escrito no sábado, antes da final, desejo ter visto a taça erguida por Lionel.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

Brasil: é obrigatório fumar cigarro

Próximo

José: o sonho de um pai do coração

Deixe seu comentário